Silêncio dos Inocentes! - Kosta

Desde então que o seu silêncio perdura, como o silêncio de uma manhã de Inverno.

Quarta-feira, 4:00;
E o dia começou com um simples suspiro e sussurro por entre os lençóis: "Que este dia seja para recordar".
Ao erguer o corpo para desligar o despertador, sinto um pressentimento ao pensar nela, como se eu fosse estar com ela ao lado. Era o que esperava mais que tudo, sentir a sua pele encostar na minha enquanto os meus braços a agarravam suavemente.

5:00;
Ao comer os cereais pensei se tinha tudo na mala. Mal sabia eu que não iria ter espaço para trazer o coração partido em mil pedaços.

5:30;
-André, despacha-te! Vais perder o autocarro! - gritava o meu pai enquanto metia as malas no carro.

5:50,
Cheguei à paragem de autocarros. O nosso era expresso para o Porto e partia ás 6.
Tudo pronto para abalar, enquanto os meus olhos desesperadamente procuravam pela sua aura. Ainda não tinha chegado e o meu coração gritava de desespero por pensar que a sua falta me iria causar desgosto durante a viagem.
Ao longe vejo uma mala de campismo e por entre as alças um cabelo lindo, era ela!
"Ai jesus finalmente, espero que não se sente ao pé de mim para eu poder dormir."

6:00;
Entrei para o autocarro, sendo um dos primeiros. Procurei o lugar do fundo, perto da janela. Sem esperar meti os óculos de sol e os fones nos ouvidos para não ouvir ninguém para poder e sonhar que ela se fosse sentar ao pé de mim.
Senti o meu banco a mexer! "Deus do céu que não seja uma velha daquelas que dorme e babasse!" - pensava eu.
Lentamente fui abrindo os olhos.
Lentamente fui subindo os óculos.
Lentamente fui virando a cabeça.
Eu podia jurar que naquele momento até vi asas! As asas daquele anjo que se ia sentar mesmo ao meu lado!
"Controla-te! Ela apenas se vai sentar ao pé da amiga nada demais, não foi por tua causa." - pensava eu com um olhar da parvo para ela.
Sem demoras, atinei! Tirei os fones, subi os óculos totalmente até à testa para segurar o cabelo e por fim sentei-me direito.
Durante 1 hora da viagem fui calado, apenas a ouvir o tom melodioso da sua voz.
Foi então que decidi participar na conversa, mandei uma piada parva que ninguém riu -.-
Durante o resto da viagem até Lisboa foi um martírio, mas aguentei.

8:30;
Cheira bem, cheira a Lisboa - treta porque a paragem de autocarro cheirava a pneus queimados e isso não cheira bem.

Avançando com a historia porque se não não acabo.

No autocarro para o Porto ela estava com sono e naturalmente que estava a tentar dormir. Com a cabeça de penduro foi balançando para um lado, e depois para o outro até que por fim parou no meu ombro. Arrepiado, decidi encostar a minha cabeça na dela.

13:10;
A chegada ao Porto.
Cidade espectacular, cidade quase natal para mim.

20:40;
A corrida infernal pela Povoa de Varzim para encontrar uma loja onde se pudesse comprar bebidas para festejar a nossa actuação e os anos de uma colega.

1:30;
Tudo no meu quarto.
A festa começa.
A algazarra começa.
A bebedeira começa.

Por volta das 3h;
O limite atingiu-se.
Todos já estavam mal e ainda queriam beber o resto das 2 garrafas restantes.
Eu gritei: "Se querem fica mal levem a puta da garrafa para fora do meu quarto!" - e assim o fizeram.
Silêncio.
Preocupação.
Tudo isto porque ela tinha ido com eles todos.
Feito parvo empoleirei-me na varanda para poder observar o quarto onde estavam.
Uma amiga dela disse: "Olha Kosta, ela está bêbeda, aproveita!"
Como se tivesse injectado com raiva, eu corri corredor fora, não podia deixar que ela ficasse num estado onde não pudesse controlar o que dizia.
Abri a porta com um pontapé e corri para a garrafa, já que não a podia esconder decidi emborca-la toda de uma só vez. Que atitude parva eu sei visto que depois sai de lá a cambalear.
Ao rastejar do quarto para fora decidi dizer: "(nome da rapariga), se quiseres explicações sobre esta atitude, eu vou estar no meu quarto."
Deite-me ate me encontrar em condições.
Ao acordar pouco de 20 minutos depois, fui ver como ela estava.
Um colega a vomitar. Não! Um amigo a precisar de ajuda.
Ao entrar na casa de banho, ela estava lá ao lado.
"Castor eu avisei-te que ias vomitar" - gritava eu enquanto lhe punha água na cara.
"AI Deus do céu eu quero morrer" -gritava ele -"eu sou inútil, nem sequer como carne!"
Como óbvio eu e ela estávamos a rir com a situação toda.
Ao meter o Castor no banho para um duche de água fria disse: "queres que te tire os boxers?". Ao que ele responde: "Não eu não tenho a depilação feita!"
A risota continuou enquanto a água gelada o molhava.
Fui ver de uma amiga que também estava mal enquanto ela estava a molha-lo.
Voltei e agarrei nele com uma toalha e fui deita-lo.
1 já está pensei eu.
Ouvi então chorar.
Cheguei estava ela deitada ao pé de um colega, a chorar, a dizer e a perguntar o porque de eu não me importar com ela e não ter acabado de contar a historia que tinha começado, visto que tive que ir ajudar outra amiga.
"Não chores, anda que eu conto-te tudo!"
Peguei na mão dela e levei-a para a casa de banho que foi o único sitio em silêncio.
"Eu sou feia e obesa, Kosta!" - dizia ela ao ver-se ao espelho.
"Não és nada! Tu és linda rapariga." - dizia eu a tentar alegra-la.
"Tu não contas Kosta."
"Se tens que deixar de comer para ele, esse gajo não te merece!"
Virei-me e sentei-me na sanita com a cabeça baixa. Ela vira-se e sentasse no chão perto de mim, deitando a cabeça na minha perna.
Falamos durante muito tempo, até entrar a mesma rapariga que disse para eu me aproveitar dela: "Ai desculpa eu não oiço a vossa conversa saiu já!"
Depois dessa frase a rapariga desatou a vomitar e o namorado dela entrou na casa de banho para a ajudar.
Ela diz: "Olha, quem me dera ter um rapaz assim como o namorado dela!"
A amiga virou-se e disse: "Olha em frente!"
Acho que se redimiu.
Saímos da casa de banho e deita-mo-nos numa cama.
"Kosta leva-me de rojo pelo quarto!" - e eu puxei-a pelos braços, sou incapaz de dizer não aquela cara angelical.
A noite foi passando e a diversão continuou.

5:30;
No quarto dela, ela decidiu-se deitar. Como ela estava mal eu decidi ir buscar um balde para o caso. Deitei-me ao lado dela no chão, a contemplar a sua face solene enquanto dormia. Vi a sua mão pendurada fora dos lençóis - "Vou lhe dar a mão porque esta vai ser a minha única oportunidade para tal" - pensei eu.
Foi então que senti!
Senti que ela era única.
Senti que ela é a tal.
Senti que morreria se não a tivesse.
Senti que ela precisa de alguém que a ajude, e que a tire da tristeza que se encontra.
Senti tudo isto pelo simples toque da sua mão na minha.
Foi inesquecível.
Foi surpreendente.
Foi de sonhos.
Foi tudo o que os meus sonhos esperavam, e no entanto eu não a posso ter.
O culminar da minha loucura por ela revelou-se no facto de eu não poder ter nada com ela, seremos só amigos e nada mais.
Disse para mim mesmo enquanto as lágrimas percorriam o meu rosto: "Não desistas!"

7:30;
O despertador toca.
Pelo menos ela dormiu bem.
As costas doem mas isso não me afecta porque senti que a consegui ajudar a noite toda.
Levanto-me do chão e aproximo a minha cara da dela, digo em sussurro: "Pschiuu, bom dia linda!" - com um sorriso de orelha a orelha.
"Bom dia Kosta." - e com um sorriso abre os olhos.

Desde então que o seu silêncio perdura, como o silêncio de uma manhã de Inverno.
Aquela noite parece que nunca existiu, apesar de ela se lembrar de tudo.
Aquele sentimento que ela demonstrou por mim, apesar de amizade, foi ilusão?
Eu fui aquele rapaz querido, cuidadoso e preocupado que ela estava à procura e no entanto sinto falta do calor da sua mão na minha,
Sinto falta do abraço caloroso que recebi variadas vezes.
Sinto falta das suas palavras que até a chorar saiam de forma maravilhosa e parecia musica aos meus ouvidos.
Sinto como se eu realmente passasse mais do que um mero amigo.
Sinto falta dela!
Mesmo a dormir no chão, ao pé dela sentia-me como se estivesse a repousar numa cama de rosas, só pelo simples facto de estar em contacto com a sua mão.
"Por favor Senhor, eu não aguento mais o sofrimento dela nem o meu, não existe nada a fazer?"

Comentários

Anónimo disse…
Não desistas meu, mais tarde ou mais cedo, essa rapariga vai-se aperceber do que tem a frente, porque muitas vezes o que mais procuramos é o que se encontra mesmo a frente dos nossos olhos, infelizmente, elas são muito cegas por vezes e quanto a isso não podemos fazer nada se não aguardar em sofrimento e ver até onde conseguimos chegar com as espadas do amor que penetram o nosso coração. O amor é cego, mas elas, por incrível que pareça ainda são mais cegas que o amor, pois não sabem ver, no teu caso, o homem a frente delas que se dispõe as suas vontades, é triste mas é a realidade.

Eu tenho fé meu Irmão, tu mereces, assim como ela.

Abraço deste incógnito.
Anónimo disse…
da euforia à angustia
da animação à tristeza
da convicção ao desespero
do máximo ao mínimo
e do mínimo ao máximo

foi aquela noite.

Mas há uma coisa que não muda.
A amizade.
Obrigado por teres agido como agiste meu. Foi quase perfeito tirando aspectos irrelevantes para agora.
"Um amigo que dá banho a outro amigo não é um amigo qualquer!"
hah.
PS: o álcool altera o estado de consciencia, reduz progressivamente o pudor humano e aniquila qualquer vestigio que haja de controlo.
Eu estava sob a influencia de álcool!
Querendo com isto dizer que estou e sempre estive totalmente confortável com o facto de não comer carne e que em nenhum momento desejei realmente morrer!

Continua!
Excelente trabalho!

-castor

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